Saulo nasceu entre os anos 5 e 10 d.C.(1) em Tarso, província de Mersin, na zona meridional da Turquia central. Era descendente de uma respeitável e rica família de judeus da Diáspora.(2) Seu nome representava um tributo a Saul, primeiro rei judeu, consistindo, porém, a palavra Saulo na tradução para o grego. Possuía a cidadania romana, o que lhe conferia uma situação legal privilegiada. Sua formação rabínica foi iniciada aos 14 anos de idade, em Jerusalém, sob um costume rígido por efeito das normas dos fariseus e exercitado a ter o orgulho racial, condição peculiar aos judeus da antiguidade. É importante pronunciar, porém, que sua inteligência espiritual foi moldada sob os toques da instrução de Gamaliel, um dos maiores catedráticos nos anais do Judaísmo.
Imbuído de extrema retidão para com a sua fé, acuava os primeiros discípulos de Jesus na região de Jerusalém. Certa ocasião, sentindo-se gravemente insultado por Estevão, na Casa do Caminho, deu início à violenta perseguição aos cristãos, culminando com a lapidação e extermínio do próprio Estevão(3), irmão de sua noiva Abigail.
Durante planificada viagem para encalço de Ananias, homem que influenciou as idéias da noiva, Saulo, no auge dos 25 anos de idade, teve uma clarividência do Mestre envolto em intensa luz. Aquele fenômeno ocorrido na via que conduzia a Damasco deixou-lhe cego; todavia foi socorrido pelo azado Ananias que lhe recuperou a visão. A partir daí, é impressionante a conversão de Saulo. Ele teve que modificar o conceito que fazia sobre o Cristo e inverter a opinião sobre a supremacia do judaísmo.
Os primeiros cristãos tinham como preceito de fé e prática os estudos das regras do Torá (Pentateuco de Moisés), normalmente na versão grega (Septuaginta) ou a tradução aramaica (Targum). Indignado com aquela conjuntura, Saulo asseverou que recebeu as "Boas Novas" por uma revelação pessoal de Jesus Cristo, razão pela qual se entendia independente da comunidade de Jerusalém, conquanto alegasse sua concordância com a essência do conteúdo das lições.
Os ensinamentos paulinos são fortemente desiguais dos princípios originais de Jesus, anotados pelos evangelistas. Alguns analistas garantem que o Apóstolo de Tarso sintetizou o judaísmo, o gnosticismo(4) e o misticismo(5) para um Cristianismo como uma religião com um “salvador” cósmico.
O Espírito Emmanuel afirma que “no trabalho de redação dos Evangelhos, que constituem o portentoso alicerce do Cristianismo, verificavam-se, algumas dificuldades para que se lhes desse o precioso caráter universalista. Todos os Apóstolos do Mestre haviam saído do teatro humilde de seus gloriosos ensinamentos; mas, se esses pescadores valorosos eram elevados Espíritos em missão, estavam muito longe da situação de espiritualidade do Mestre, sofrendo as influências do meio a que foram conduzidos.”(6)
É fato! Basta verificar o seguinte: Mateus escreveu para convencer os judeus que Jesus era o Messias que estava por vir, desta forma enfatizou o Antigo Testamento e as profecias a respeito desse ungido; Marcos, sobrinho de Barnabé e “filho” adotado de Pedro, escreveu para evangelizar, mormente os romanos, relatou somente quatro das parábolas de Jesus, enfatizando especialmente as atuações de Jesus; Lucas (não conheceu Jesus pessoalmente) escreveu para os gentios, enfatizando a misericórdia de Deus através da “salvação”, sobretudo para os pobres e humildes de coração, e João (sobrinho da Mãe de Jesus) escreveu num contexto mais vasto a propósito da missão do Mestre.
Depois do martírio do Gólgota, discípulos e apóstolos do Mestre, de modo geral, começaram a contemporizar com a autoridade do judaísmo. Emmanuel explana que “quase todos os núcleos organizados, da doutrina, pretenderam guardar feição aristocrática, em face das novas igrejas e associações que se fundavam nos mais diversos pontos do mundo.”.(7) Em razão dessa anomalia doutrinária, Jesus resolveu convidar “o espírito luminoso e enérgico de Saulo de Tarso ao exercício do seu ministério.”. (8) Essa determinação foi uma ocorrência das mais expressivas na história do Cristianismo. As atitudes, atuações e missivas de Paulo consubstanciaram-se em decisivo componente de universalização da Doutrina Cristã.
Paulo transformou as crenças religiosas e a filosofia de toda a região da bacia do Mediterrâneo (Sul da Europa, Norte da África, zona mais ocidental da Ásia, Oriente Próximo). Nas viagens missionárias percorreu cerca de 16.000 km, a pé ou de navio. Foram quatro grandes excursões apostólicas: 1ª Viagem (46-48 d.C.); 2ª Viagem (49-52 d.C.); 3ª Viagem (53-57 d.C.); 4ª Viagem (59-62 d.C.), sendo que na última viajou a Roma como prisioneiro, para ser julgado, e nunca mais retornou para a Judéia.
Com ênfase proferiu o Missionário dos Gentios, “fiz muitas viagens - Sofri perigos nos rios e mares, ameaças dos ladrões, riscos por parte dos meus irmãos de raça, perigos por parte dos pagãos, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos por parte dos falsos irmãos.”.(9) De cidade em cidade, de igreja em igreja, o convertido de Damasco, com o seu admirável prestígio, falou do Mestre, inflamando os corações. “A princípio, estabeleceu-se entre ele e os demais Apóstolos uma penosa situação de incompreensibilidade, mas sua influência providencial teve por fim evitar uma aristocracia injustificável dentro da comunidade cristã, nos seus tempos inesquecíveis de simplicidade e pureza.”.(10)
Curiosamente, o uso do nome Paulo surge pela primeira vez quando ele começou sua primeira jornada missionária. Em “Atos”(11), o Evangelista dos Gentios aparece, juntamente com Barnabé e João Marcos, conversando com Sérgio Paulus, um oficial romano em Chipre que foi convertido por ele. Paulus era um sobrenome romano e alguns argumentam que Paulo o adotou como seu primeiro nome. Há os que consideram admissível a homenagem a Sérgio Paulus, mas, provavelmente a mudança pode estar relacionada ao desejo do apóstolo em se distanciar da história do rei Saul.
Paulo, ao levar o Cristianismo a outros povos, não exigia a circuncisão desses novos cristãos. Diante disso, os discípulos de Jerusalém se reuniram em torno de Tiago para fazer valer a obrigatoriedade da circuncisão. O apóstolo de Tarso foi a Jerusalém para discutir o assunto. Em sua epístola, declara que foi neste encontro que Pedro, Tiago e João aceitaram a sua missão junto aos gentios.(12) Apesar do acordo encontrado na reunião de Jerusalém, o Convertido de Damasco confrontou publicamente Pedro, no que ficou conhecido como "Incidente em Antioquia", por causa da relutância do ex-pescador em realizar suas refeições com os cristãos gentios em Antioquia.
Escrevendo posteriormente sobre o incidente, relata: “Se tu [Pedro], sendo judeu, vives como gentio, e não como judeu, como obrigas os gentios a viver como os judeus?”.(13) Barnabé, que até aquele momento era companheiro de viagem de Paulo, ficou do lado de Pedro. Conquanto abandonado, Paulo não desistia, e foi um constante formador de missionários(as) e de equipes missionárias itinerantes. As suas cartas e Atos citam os nomes de 63 missionários(as).
Na sua ética, não permitiu o mercantilismo do Cristianismo. Pregou o Evangelho gratuitamente(14) e justificou essa atitude: “Pregamos o Evangelho a vocês, trabalhando de dia e de noite, a fim de não sermos de peso para ninguém”.(15) Até porque “tudo posso naquele que me fortalece”.(16)
Paulo partiu para Jerusalém em 57 com uma coleta de dinheiro que realizou para atender as vítimas da grande fome que ocorreu na Judéia. Viajou para a Casa do Caminho para entregar a ajuda financeira da igreja de Antioquia, igreja essa que já era um centro importante para os fiéis após a dispersão dos discípulos de Jesus que se seguiu ao martírio de Estevão, e foi aí em Antioquia que os seguidores de Jesus foram, pela primeira vez, chamados de cristãos, por sugestão de Lucas.
Paulo foi implacável contra a circuncisão, contra as restrições alimentares e contra os requerimentos da Tora(17), e isto provocou o rompimento final com os judeus. Foi notadamente acossado pelos judeus, que o consideravam um grande infiel. Na sua derradeira ida a Jerusalém, o filho de Tarso causou um alvoroço ao aparecer no Templo, e somente escapou da morte por ter sido preso. Ele foi então mantido encarcerado por quase 2 anos em Cesareia até que um novo governador reabrisse seu processo em 59 d.C. Paulo foi acusado de traição, por isso recorreu a César, alegando seu direito, como cidadão romano, de ser levado a um tribunal apropriado e de se defender das acusações.
Foi enviado para a capital do Império Romano por volta do ano 60; passou mais 2 anos em prisão domiciliar. No caminho para Roma, Paulo sofreu um naufrágio em "Melite" (Malta). Apesar de não ter sido o introdutor do Cristianismo em Roma, pois já havia cristãos na capital do Império, quando aí chegou teve um desempenho importante na formação da Igreja na capital de César.
O noivo de Abigail, em face dos seus sobre-humanos testemunhos, desabafou: “eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim.”.(18) “Dos judeus recebi cinco chicotadas menos uma. Fui flagelado três vezes; uma vez fui apedrejado; três vezes naufraguei; passei um dia e uma noite em alto mar...”(19). Pressagiou ao discípulo Timóteo: “Meu sangue está para ser derramado, chegou o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a minha corrida, conservei a fé...”.(20).
Paulo foi decapitado na Via Apia, em Roma, pela soldadesca romana nos primeiros meses do ano 67, durante a perseguição do insano imperador Nero. Nessa conjuntura, o Apóstolo dos Gentios transportava a experiência de 59 anos de idade, sendo que 30 deles dedicados a intensa vida missionária, dos quais cerca de seis anos amargou prisões, açoites, apedrejamentos e, por fim, o fio da espada amaldiçoada do famigerado soldado de César.
Descreve Emmanuel(21) que no momento da desencarnação, Paulo sentia a angústia das derradeiras repercussões físicas; mas, em poucos minutos, experimentou alívio reparador. Tomado de surpresa, foi recebido por Ananias, que o transportou a Jerusalém, e ali, foi orar a Jesus para ofertar-lhe o agradecimento. Ananias e Paulo reuniram-se no cimo do Calvário e aí cantaram hinos de esperanças e de luz. Lembrando os erros do passado amarguroso, Paulo de Tarso ajoelhou-se e elevou a Jesus fervorosa súplica.
Desenhou-se então, na tela do Infinito, um quadro de beleza singular e surgiu na amplidão do espaço uma senda luminosa e três vultos que se aproximaram radiantes. O Mestre estava ao centro, conservando Estevão à direita e Abigail ao lado do coração. O Mestre sorriu, indulgente e carinhoso, e falou:
- Sim, Paulo, sê feliz! Vem, agora, a meus braços, pois é da vontade de meu Pai que os verdugos e os mártires se reúnam, para sempre, no meu reino!...
E assim unidos, ditosos, os fiéis trabalhadores do Evangelho da redenção seguiram as pegadas do Cristo, em demanda às esferas da Verdade e da Luz...
Referências bibliográficas:
(1) Alguns afirmam ano 8 d.C.
(2) Dispersão
(3) Nome grego sugerido por Pedro a Jeziel , que se tornou o primeiro mártir do Cristianismo.
(4) Conjunto de correntes filosófico-religiosas sincréticas que chegaram a mimetizar-se com o Cristianismo primitivo
(5) Busca da comunhão com a identidade, com, consciente ou consciência de uma derradeira realidade, divindade, verdade espiritual, ou Deus através da experiência direta ou intuitiva
(6) Xavier, Francisco Cândido. A Caminho da Luz, ditado pelo Espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1977
(7) idem
(8) idem
(9) 2Cor 11,26
(10) _______, Francisco Cândido. A Caminho da Luz, ditado pelo Espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1977
(11) Atos 13:6-13
(12) Essa primeira magna reunião cristã foi muito importante para o início do cristianismo, porque teve como principal objetivo discutir a incompatibilidade da doutrina nascente com as regras antigas da Sinagoga. Foi o marco do desligamento do Cristianismo do judaísmo e confirmou o ingresso dos não-judeus na cristandade.
(13) Gálatas 2:11-14
(14) 1Cor 9,18
(15) 1Ts 2,9
(16) Filipenses 4,13
(17) O Cristianismo baseado na tradução grega Septuaginta também conhece a Torá como Pentateuco, que constitui os cinco primeiros livros do Velho Testamento.
(18) Gálatas 2,20
(19) 2Cor 11,24-25
(20) 2Timóteo 4,6-7
21) Xavier, Francisco Cândido. Paulo e Estevão, ditado pelo Espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1990
21) Xavier, Francisco Cândido. Paulo e Estevão, ditado pelo Espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1990