Jorge Hessen
jorgehessen@gmail.com
A
historiografia tradicional da Igreja romana registra que foi no Mosteiro
beneditino de Cluny, no sul da França, no ano de 998, que o Abade Odilon
promovia a celebração do dia 2 de novembro, em memória dos mortos, dentro de
uma perspectiva religiosa. Somente em 1311, a “memória dos falecidos” foi
sancionada oficialmente em Roma e, posteriormente, em 1915, Bento XV
universalizou tal comemoração, dentre os católicos, expandindo e
consolidando a celebração até hoje.
Todavia,
ajuizemos o seguinte: a ostentação dos túmulos fúnebres determinada por
familiares que desejam honrar a “memória do falecido” ainda compõe o cardápio
da soberba e orgulho dos parentes, que intimamente propendem fundamentalmente
“honrarem-se” a si mesmos. Nem sempre é pelo “finado” que fazem todas essas
demonstrações, mas por soberba, por apreço às convenções mundanas e, às vezes,
para exibição de abastança. Ora, é inútil o endinheirado aventurar-se em
eternizar a sua memória por meio de aparatosos mausoléus.
A
comemorada visita ao túmulo, em massa, não significa que venha trazer
satisfação ao "morto", até porque sabemos que uma prece feita em sua
intenção vale muito mais. Provavelmente a visita ao túmulo seja uma maneira de
demonstrar que se lembra do Espírito ausente, contudo é a oração que abençoa o
ato de lembrar; pouco importa o lugar se a lembrança é determinada pelo
coração.
Conhecemos
diversas pessoas que requerem, antes mesmo de desencarnarem, que sejam
sepultadas em tal ou qual cemitério da elite. Essa atitude, sem sombra de
dúvida, demonstra deficiência moral, até porque qual seria a importância de um
pedaço de terra, mais do que outro, para o Espírito moralizado?
O
bom senso cochicha que faz sentido rememorar com alegria e não lastimar os que
já partiram, até porque eles estão plenamente vivos noutras dimensões da vida.
Realmente a ideia de falecidos é uma mistura de alegria e dor, de
presença-ausência, de festa e saudade. Porém, aos que permanecemos na vida
física, cabe-nos refletir e celebrar a existência com amor e ternura, para
depois, no além, quiçá, não amargar no remorso. Aos que partiram enviemos nossa
prece, nossa gratidão, nossa saudade, nosso carinho, nosso amor!
Se
formos capazes de orar, com quietude e confiança, modificando a nostalgia em
esperança, notaremos a presença dos parentes e amigos desencarnados entre nós,
envolvendo-nos em seus sentimentos de gratidão, alegria e paz. Por este motivo
e por muitas outras razões, transformemos o “dia dos mortos” do
tradicionalíssimo 2 de novembro em uma experiência de veneração à vida, lembrando
afetuosamente os que nos precederam de retorno à pátria espiritual, e também
festejando os que conosco ainda peregrinam pelos logradouros da vida terrena.