Nas leis decretadas por Moisés, encontramos: "O que ferir um homem, querendo matá-lo, seja punido de morte. (...) O que ferir seu pai ou sua mãe, seja punido de morte".(1) O que ferir ou matar um homem, seja punido de morte. (...) O que ferir qualquer dos seus compatriotas, assim como fez, assim se lho fará a ele: quebradura por quebradura, olho por olho, dente por dente; qual for o mal que tiver feito, tal será o que há de sofrer."(2) Disposições punitivas em flagrante contradição com a ordenação maior do Decálogo - "Não matarás".
Registra a história que, durante a Idade Média, muitos pensadores foram excomungados pela Igreja e, com o aval ou o silêncio do monarca, condenados à morte. Qualquer avanço da ciência, que pusesse em xeque o ensinamento eclesiástico, era tido como obra do demônio e classificado como heresia. Tomás de Aquino, por sua vez, acha "louvável e salutar, para a conservação do bem comum, pôr à morte aquele que se tornar perigoso para a comunidade e causa de perdição para ela". (3)
Pesquisas indicam que a maioria da população é favorável à implantação da pena de morte, porém, cremos que o argumento das pesquisas não é legítimo. Não podemos esquecer o exemplo daquele governante romano, em cidade estrangeira (Pilatos), que realizou um plebiscito, supostamente, democrático para sentenciar o destino de um Operário (Jesus), de, apenas, trinta e três anos de idade, e, com isso, O entregou à pena de morte... (4)
O respeito pelos direitos humanos nunca deve depender da opinião pública, sujeita a muitas instabilidades. Vários estudos demonstram que a opinião das pessoas muda, completamente, quando elas têm um conhecimento melhor dos fatos. Há aqueles que insistem na tese da Pena Capital, com o chavão da "legitima defesa da Sociedade", contra os altos níveis de criminalidade, visando estabelecer a maior "segurança" dos cidadãos indefesos, diante da violência. "Será ilusão infeliz e criminosa a instituição de um Estado homicida e uma Justiça assassina, para viabilizar a paz social através da crueldade e do desforço".(5)
A experiência tem mostrado que a pena tem sido aplicada contra as minorias sociais e contra os pobres, aos quais sempre se associa a imagem da violência. Segundo Chico Xavier, - "a pena deveria ser de educação. A pessoa deveria ser condenada, mas, a ler livros, a se educar, a se internar em colégios ainda que seja, vamos dizer, por ordem policial. (6) Onde a pena de morte é instituída, não há redução nos índices de criminalidade".
Para o Hélio Bicudo, - "Polícia e as organizações para policiais - os esquadrões da morte e os justiceiros matam, impunemente, nas cidades e nos campos, se a pena de morte tivesse algum conteúdo intimidativo, ou seja, funcionasse como elemento de prevenção geral, os delitos violentos no Brasil apresentariam índices de incidência cada vez menores. Mas, as evidências negam essa hipótese".(7)
A Pena de Morte não livra a Sociedade da ação maléfica do delinqüente condenado. Matar criminosos não resolve: eles não morrem. Eliminar o corpo físico não significa transformar as tendências do homem criminoso. Seus corpos descerão à sepultura, mas, eles, Espíritos imortais, surgirão vivos e ativos, pesando, negativamente, no ar que respiramos. O que equivale a afirmar que o criminoso executado ganha o benefício da invisibilidade e passa a assediar pessoas com tendência à criminalidade, ampliando-a, causam estragos no psiquismo humano, na medida em que as pessoas se mostrem vulneráveis, psiquicamente, à sua influência. Por essa razão, ensina o Espírito Humberto de Campo, em "Cartas e Crônicas": - "um assassinado, quando não possui energia suficiente para desculpar a ofensa e esquecê-la, habitualmente, passa a gravitar em torno daquele que lhe arrancou a vida, criando os fenômenos comuns da obsessão; e as vítimas da forca ou do fuzilamento, do machado ou da cadeira elétrica, se não se constituem padrões de heroísmo e renunciação, de imediato, além-túmulo, vampirizam o organismo social que lhes impôs o afastamento do veiculo físico, transformando-se em quistos vivos de fermentação da discórdia e da indisciplina ".(8)
Afora os argumentos doutrinários, a pena de morte esbarra no erro judiciário, obstáculo intransponível, eis que torna a sanção irreparável. "O assassinato legal pelo Estado é negação do Estado Democrático, cuja primeira função é garantir a vida e a liberdade".(9) Somente, investindo-se no homem, em especial, em educação e saúde, melhorando-se a distribuição de renda e aprimorando-se o funcionamento da polícia e da justiça, poderemos controlar melhor a delinqüência.
Jesus veio ensinar e exemplificar a verdadeira lei de Deus. Pregou o amor, o perdão e a tolerância. Todavia, apesar dos excelsos e serenos ensinamentos do Mestre, os legisladores e os juízes continuaram mandando matar. Richard Simonetti, em seu livro "A Voz do Monte", lembra que - "Se abrirmos um ovo choco, sentiremos náuseas, ante o mau cheiro exalado por aquela parte viscosa. Porém, o que nos parece decomposição é, apenas, transformação, ou antes, o que nos parece repugnante é, apenas, o berço de uma nova vida, que desabrochará, em breve, repetindo a beleza e poesia, sempre sublimes, do pintinho que rompe a casca do ovo." O homem também é assim: se analisado em suas tendências, parecerá pouco atraente e, até, repulsivo, quando comprometido com o mal. É que, de certa forma, também estamos em processo de gestação no ventre da natureza. Mas, potencialmente, somos bons, fomos criados para o bem, tanto que somos, realmente, felizes apenas quando o praticamos".(10)
O progresso social - observa Kardec - ainda, muito deixa a desejar. "Mas, seria injusto para com a sociedade moderna quem não visse um progresso nas restrições postas à pena de morte, no seio dos povos mais adiantados, e à natureza dos crimes a que a sua aplicação se acha limitada".(11) "A Associação Médica Britânica opõe-se à pena de morte em todo o mundo".(12)
No Brasil, esta pena foi abolida para os crimes comuns em 1979. Mas, "pena de morte foi, largamente, utilizada e aplicada no País até a segunda metade do século XIX, quando, por um erro judiciário, ocorreu a morte de Mota Coqueiro, em 1855, em Macaé, que abalou a população e impressionou o Imperador que passou, a partir daí, comutar a pena de morte, sistematicamente, não autorizando a execução de mais ninguém, transformando em penas de Galés perpétuas, devendo serem removidos às galeras para remarem, até o último de seus dias."(13) Este triste episódio foi um marco na história da pena de morte no Brasil.
O mundo está amadurecendo sobre esse tema, senão, vejamos: "O Estado de Nova Jersey - EUA tornou-se o primeiro Estado americano a abolir a pena de morte por decisão legislativa, desde que a Corte Suprema do país restituiu a prática, em 1976. Houve 53 execuções em 2006 nos EUA, menor número em dez anos - e que deve cair, ainda mais, em 2007. O Centro de Informações sobre a Pena de Morte estima que as condenações à pena capital caíram 60%, desde 1999." (14)
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotados pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em Dezembro de 1948, em resposta ao terror e brutalidade de alguns governos, reconhece o direito de cada pessoa à vida, afirmando, ainda, que ninguém deverá ser sujeito à tortura, ou a tratamento, ou castigo cruel, desumano e degradante. Este ano, uma Resolução sobre uma moratória à prática da pena de morte foi adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas. Mais da metade dos países do mundo já aboliu a pena de morte da lei ou, pelo menos, na prática. A tendência é a de que mais países optem pela abolição. "A aprovação definitiva, pela Assembléia Geral, (formada por 192 estados membros) teve 99 votos a favor, 52 contra, 33 abstenções e 8 ausências. A resolução abre caminho para a abolição da pena de morte e a proteção dos Direitos Humanos no mundo".(15)
A injeção letal, que se pensava poder matar sem dor, foi estreada, em 1998, na Guatemala, com uma execução, em que o condenado demorou 18 minutos a morrer, e essa barbárie foi assistida por transmissão direta, pela televisão. A decapitação provoca imensa perda de sangue. A eletrocução provoca um fétido odor de carne queimada. O enforcamento provoca movimentos de desespero e sons angustiantes. Todas as formas de execução são cruéis e desumanas.
Adverte Emmanuel - "Desterrai, em definitivo, a espada e o cutelo, o garrote e a forca, a guilhotina e o fuzil, a cadeira elétrica e a câmara de gás dos quadros de vossa penologia, e oremos, todos juntos, suplicando a Deus nos inspire paciência e misericórdia, uns para com os outros, porque, ainda hoje, em todos os nossos julgamentos, será possível ouvir, no ádito da consciência, o aviso celestial do nosso Divino Mestre, condenado à morte sem culpa: "Quem estiver sem pecado, atire a primeira pedra!"(16) (grifamos)".
"Há outros meios de se preservar do perigo, sem matar, e é necessário, aliás, abrir e não fechar ao criminoso a porta do arrependimento".(17)
Cremos que o assunto pena de morte seja fastidioso e interminável. Defender tal prática tem o dom de obscurecer todos os dados do problema. A democracia exige que pensemos e implantemos, imediatamente, políticas alternativas. Caso contrário câmara de gás, cadeiras elétricas, forcas, injeções de veneno, nessa situação de degenerescência social e desrespeito à lei, serão de nenhuma valia. "A pena de morte desaparecerá, incontestavelmente, e sua supressão assinalará um progresso para a humanidade. Quando os homens forem mais esclarecidos, a pena de morte será completamente abolida da Terra".(18)
Jorge Hessen
E-Mail: jorgehessen@gmail.com
Site: http://jorgehessen.net
FONTES:
1- (Êxodo, 21:12 o 15.)
2- (Levítíco, 24:17, 19 e 20.)
3-Fonte: (Suma Teológica, Questão LXIV, Art. 11.)
4- Transcrito de "Reformador", per. 170, junho de 1993.
5- Transcrito de "Reformador", pág. 290, outubro de 1981.
6- Xavier, Francisco Cândido. Mandato de Amor, MG: Ed. União Espírita Mineira, 1992.
7-Bicudo, Hélio. Sobre a pena de morte, Violência - o Brasil cruel e sem maquiagem, São Paulo: Ed. Moderna, 1994, pág. 84 a 96.
8- Xavier, Francisco Cândido. Cartas e Crônicas, ditado pelo Espírito Humberto de Campos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1999.
9- Fonte: Universo Espírita João Benedito de Azevedo Marques Jornal Espírita" - Junho de 1991
10- Simonetti, Richard. A Voz do Monte. Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2003.
11-Reformador N°1806 - Setembro, 1979 Transcrição: Flávio Pedrina Filho.
12- Política adotada pela AMB, Julho de 2001 (a AMB é uma associação de médicos do Reino Unido, com mais de 123 mil membros).
13-Luiz Flávio Borges D'Urso. Pena de morte - o erro anunciado, disponível em acessado em 22/12/2007.
14-Disponível em acessado em 14/12/2007.
15- documento publicado pela ONU (16.11.2007)
16- Xavier, Francisco Cândido. Religião dos Espíritos, Ditado pelo Espírito Emmanuel, cap. 50, Rio de Janeiro: ed. FEB, 2001
17- Kardec, Allan. Livro dos Espíritos. Rio de janeiro: Ed. FEB, 2003, questão 701
18- idem, questão 760.
(*) Sobre a pena de morte, à luz do Espiritismo, há um livro clássico do professor Fernando Ortiz, da Universidade de Havana, denominado "A Filosofia Penal dos Espíritas", em que o autor faz um estudo jurídico, analisando as escolas penalógicas em confronto com os ensinamentos constantes de "O Livro dos Espíritos", de Allan Kardec.
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