O crescimento do movimento espírita tem gerado circunstâncias deprimentes para a concepção espírita. É uma situação “compreensível”, considerando nossos diferentes estágios de entendimento, mas isso não significa que devemos contemporizar e deixar as rédeas soltas das fanfarras doutrinárias. Pelo menos, cremos ser importante incomodar bastante os arautos do antiespiritismo através da contestação corajosa, distantes da tediosa falsa humildade.
Quando não identificamos nas práticas espíritas a lucidez e a coerência kardeciana, não podemos considerar que isso seja positivo sob a ilusão de que todos somos aprendizes e que essa fase é necessária para o nosso amadurecimento. Para tais espíritas mornos, o debate por um espiritismo mais simples ressoa de forma subjetiva. Tais líderes omissos (ficam em cima do muro) se retraem baseados na contemporizadora atitude de que tudo é natural porque os estágios de entendimento e amadurecimento igualmente o são desiguais e que todos os desvios doutrinários oferecem oportunidades de aprendizado e amadurecimento. Isso é risível!
O Espiritismo nos traz uma nova ordem religiosa que precisa ser preservada. A Terceira Revelação é a resposta sábia dos Céus às interrogações da criatura aflita na Terra, conduzindo-a ao encontro de Deus. Cremos que preservá-la da presunção dos reformadores obsedados e das propostas ligeiras dos que a ignoram, e apenas fazem parte dos grupos onde é apresentada, constitui dever de todos lídimos estudiosos de Kardec.
Defender e propor debate sobre a coerência doutrinária evidentemente não pode ser a defesa acirrada dos postulados espíritas, sem maior observância das normas evangélicas; nem é exigir a rígida igualdade de comportamentos sem a devida consideração aos níveis diferenciados de evolução em que estagiamos. Todo excesso de rigor na defesa doutrinária pode levar a sérios erros, se enredarmos pelas veredas da intolerância, pois que redundarão em dissensão inadmissível, em face dos impositivos da fraternidade. Todavia, o espólio da tolerância não é fazer-nos omissos ante as enxertias conceituais e práticas anômalas que intentam impor no seio do Movimento Espírita.
Nessa luta, não estaremos sós, embora saibamos que “o discípulo da verdade e do amor, no mundo, é alguma coisa de Jesus e de Deus, e a massa vulgar não lhe perdoa tal condição, sobrecarregando-o de pesados amargores, porque seus sentimentos não são análogos àqueles que a conduzem a incoerências e desatinos.(grifei) Todos os que seguiram Jesus foram obrigados a identificar o destino com o sinal do martírio. Os que se não desprendem da Terra, crucificados nas dores públicas, retiram-se ao desamparo, esmagados pelos opróbrios humanos, caluniados, humilhados, encarcerados, feridos. Raros triunfaram conservando a serenidade e o amor imaculado, até ao fim!(1)...
Recordemos que se abraçamos a Doutrina dos Espíritos, por ideal, não podemos fugir-lhe à fidelidade. Não hesitemos pois, quando a situação se impõe, e estejamos alertas sobre a lealdade que devemos a Kardec e a Jesus. É importante não esquecermos que nos imperceptíveis consentimentos estaremos descaracterizando o projeto da Terceira Revelação. É imperioso resguardar o Espiritismo consoante o herdamos de Kardec, mantendo-lhe a lucidez dos postulados, a transparência dos seus conteúdos, não admitindo que se lhe aloje acréscimo nocivo, que apenas irá confundir os invigilantes e os neófitos.
Existem inúmeras práticas não ajustadas com o cerne doutrinário que é imperioso sejam condenadas à exaustão, nas bases da decência cristã, sem quaisquer nódoas de intransigências. Casa Espírita equilibrada não comporta imagens de Santos ou personalidades do movimento espírita, amuletos de sorte, objetos que afastam ou atraem maus Espíritos, incensos, preces cantadas, velas e outros assemelhados alienantes. Uma coisa é certa: os Centros Espíritas refletem a índole e consciência doutrinária dos seus dirigentes. Infelizmente, as Casas Espíritas estão repletas de modismos e práticas carentes de bom senso, oriundos da falta de conhecimento das recomendações básicas do Espiritismo.
Muitas Instituições Espíritas mantêm práticas e/ou discussões estéreis em torno de nauseantes temas tais como “crianças índigo”, “Chico é a reencarnação de Kardec”, “ubaldismo”, “ramatisismo”, “apometria”, “cromoterapia”, “cristalterapia” e tantos outros indigestos "ismos" e "pias", infligidos no corpo doutrinário. Confrades utilizam a tribuna para angariar votos para cargos políticos, ou para imitarem ilustres tribunos, ou fazer shows de oratória (muitas vezes para vender seus CD’s, DVD’s ou livros ao final da “fala”). Como se não bastasse, há, ainda palestrantes que promovem, das tribunas, peculiares espetáculos da própria imagem, mise-en-scène protagonizada pelos briosos expositores, que não abrem mão da burlesca imposição do título “Dr.” antes do nome. Há Instituições Espíritas que cobram taxas para o ingresso nos congressos, simpósios, seminários, tendo, como meta o fomento de querelas doutrinárias ou espetaculosas palestras.
O Centro Espírita tem que funcionar como se fosse uma escola ou fidedigno hospital espiritual, tal qual refrigério em favor das almas em desalinho, e jamais um reduto de competições, de terapias ilusórias ou de passarela de vaidades. Tem que estar preparado para receber um contingente cada vez maior de pessoas perdidas no atoleiro de suas próprias imperfeições, e que estão nos vales sombrios da ignorância. Deve ser uma universidade do espírito e pronto-socorro para os necessitados de amparo e esclarecimento, seja através da evangelização, das orações ou dos tratamentos espirituais; ou seja, pelas orientações morais e materiais.
A questão é: como evitar esses disparates? Como agir com tolerância cristã? Como agir, diante dos espíritas cegos, que querem guiar outros cegos?
Para os líderes “mornos bonzinhos”, é interessante a prática do "lavo as mãos" para não se incomodarem. Os Códigos Evangélicos nos impõem a obrigatória fraternidade para com os adeptos equivocados, o que não equivale a dizer que devamos nos omitir quanto à oportuna admoestação, para que a Casa Espírita não se transforme em academia de bonifrates dos distúrbios psíquicos.
Em verdade, da abrangência dos preceitos espíritas e do bom emprego dos princípios doutrinários no equacionamento dos enigmas existenciais do ser, do destino, da dor e do sofrimento, o espírita cristão desenvolve uma fé equilibrada, apoiada na razão clarificada pelo conhecimento, modificando a índole humana de adoração, tornando-se livre de quaisquer acondicionamentos místicos, fetichistas, idólatras e supersticiosos, assinalando para o autoconhecimento, a simplicidade, a sensatez e a plenitude do ser.
Jorge Hessen
http://jorgehessen.net
Referência bibliográfica:
(1) Xavier, Francisco Cândido. Renúncia, ditado pelo espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB 1997, Cap. 1