Jorge Hessen
Imaginemos o dantesco
panorama das eras apostólicas em que uma mulher foi flagrada em adultério. Adeptos
da religião extrínseca, fanatizados pela sentença rigorosa da Lei judaica, arrancaram-na
da cama e a arrastaram até o lugar em que Magno Rabino se encontrava. A adúltera
gritava Clemência! Compaixão! enquanto era arrastada; seus indumentos iam sendo
dilacerados e sua pele sangrava esfolando-se no chão rugoso.
Neste episódio, tradicionalmente
conhecido por muitos cristãos, durante a estada terrena de Jesus, topamos com um
dilema evidente entre a diferença do religioso escravo à religião extrínseca e
o verdadeiro sentido moral da indulgência e da religiosidade intrínseca.
No episódio acima,
percebemos a sustentação farisaica da religião extrínseca do castigo, do medo e
da angústia, numa circunstância que são destacados religiosos prisioneiros aos
aspectos formais da lei mosaica, completamente distantes do correspondente
sentido da religiosidade intrínseca na sua essencial pureza de origem.
Nos códigos de Moisés,
aquela mulher, pega em adultério, não encontraria nenhuma brecha de escape, precisava
mesmo ser lapidada até à morte. Observa-se que diante da dura e inflexível lei escrita
pelo patriarca do Monte Sinai, a veemência pelas normas e preceitos, com
certeza, estavam acima do valor da vida humana.
Na verdade, os escribas
e fariseus utilizaram aquela mulher, expondo-a perante a multidão, simplesmente,
para a execução de seus pérfidos desígnios, que era conseguir pegar em
flagrante Jesus em possível contradição dos seus Princípios Essenciais. Naquele
contexto, compreendemos que a religião extrínseca dos judeus, no seu formalismo
atroz, era induzir o homem a desempenhar o juízo implacável, o medo, a angústia
e não a clemência. Obviamente desconheciam que a religião intrínseca (Cósmica) deve
ter as suas estirpes estreitamente unidas ao amor, à justiça e a caridade.
A propósito o Mestre jamais
transigiu com a impostura religiosa. A prova é que usou de todo o rigor com os
escribas e fariseus, considerando-os puritanos camuflados de virtudes. Apesar
disso, Jesus foi indulgente com as pessoas de “má vida”, com o bom ladrão, com
as prostitutas e especialmente com aqueles que O insultaram e condenaram na
cruz, dando a entender que ser religioso extrínseco (puritano) é mais
degradante que ser adúltera, ladrão (Dimas), corrupto (Zaqueu)e cortesã
(Madalena).
Em abreviada divagação
sobre as religiões extrínsecas (dogmáticas), trazemos para discussão o artigo Cosmic religion de Albert
Einstein, contido no livro Out of my later Years ,onde é publicado as coerções
das autoridades escravizantes e encarcerantes da religião extrínseca (sectária).
Einstein acerca-se da
questão da religiosidade intrínseca como sendo a nossa comunhão perfeita com o
Criador, sopesando a superfluidade dos procuradores intermediários do Senhor da
Vida, habitualmente impondo práticas coativas, punitivas e negocistas de coisas
“sacras”, sob o tacão das obrigações dos pactos impudicos.
No nível elevado de
religião cósmica conseguimos nos conectar com liberdade nas coisas e circunstâncias
mais profundas do Universo. Livres, construímos uma relação profundamente
harmoniosa, a partir da qual nos abastecemos da energia amorosa do Criador da
Vida.
Numa relação de
subnível religioso Einstein denominou a religião do medo quando o homem
teme a Deus e rende culto externo para ser supostamente protegido das adversidades
da vida, alimentando sempre a insegurança e temor dos castigos do Deus
extrínseco.
Noutro desnível de
subserviência religiosa o Pai da Teoria da Relatividade denominou de religião
da angústia aquela em que o homem é totalmente manipulado pelas castas
sacerdotais dotadas de poderes para advogarem junto ao Deus antropomórfico alvitrando
libertação das angústias sociais os seus seguidores.
Já no elevado nível da
religiosidade intrínseca Einstein nomeia de religião cósmica. Recordando
que os grandes gênios religiosos de todos os tempos se distinguiram por
possuírem este senso de religiosidade intrínseca cósmica. Por não reconhecerem
necessidades dos dogmas e muito menos um Deus concebidos a imagem humana.
Por isso, a religião
dita tradicional abomina a religião cósmica sugerida por Einstein. Até porque,
é precisamente entre os denominados heréticos de todos os tempos, afirma o
Gênio da física, que encontramos homens
que foram inspirados por essa elevada experiência religiosa cósmica, porém, foram
considerados eventualmente pelos seus contemporâneos como ateus, ou até às
vezes também como os santos.
Por este ângulo, homens
como Demócrito, Francisco de Assis e Espinoza se assemelham. Como pode o
sentimento religioso cósmico intrínseco ser transmitido de uma pessoa a outra
se ela destrói a noção limitante de Deus e a dogmática teologia humana?
Na perspectiva do Einstein
a função mais importante seja da arte e da ciência consiste em despertar e
manter vivo este sentimento de religião cósmica em todos os que sejam
receptivos a Deus. O homem que está profundamente convencido da função
universal da lei da causalidade não pode considerar a ideia de um Deus qual um ser
mesquinho que interfere no curso dos acontecimentos mais comezinhos.
O homem que está
profundamente convencido da função universal da lei da causalidade não cede
espaço para uma religião do medo, nem mesmo uma religião social ou moral que o
aprisiona. De modo algum pode conceber um Deus que recompensa e castiga, já que
o homem é regido pelo código moral de leis da consciência. Por este motivo, historicamente a ciência foi
incriminada de prejudicar a moral, contudo isso é um equívoco das religiões
extrínsecas.
E como o comportamento
moral do homem se fundamenta eficazmente sobre a simpatia ou os compromissos
sociais, de modo algum implica uma base religiosa hierarquizada, teológica e dogmática que impõe castigos para
a mantença de falsas virtudes sob o tacão da angústia e o medo entre os homens.
Com a mulher adúltera
Jesus tinha todos os pretextos para pronunciar: De hoje em diante, sua vida me
pertence, você deve ser minha discípula. Os líderes religiosos extrínsecos usam
seu poder para que as pessoas os aplaudam e gravitem em sua órbita. Mas Jesus,
apesar do seu descomunal poder sobre a mulher, foi desprendido de qualquer
interesse. Vá e revise a sua história, cuide-se. Mulher, você não me deve nada.
Você é livre!
O Mestre deu-nos o
exemplo através do perdão, recomendando a ponderação da não reincidência pelo
esforço da vigília “vá e não peques mais”. Assim, deu à adúltera a oportunidade
de retomar o curso da vida, sob um novo roteiro de não mais prevaricar naqueles
mesmos lapsos morais.
Allan Kardec ressalta
que a autoridade para condenar está na razão direta da autoridade moral daquele
que julga. (1) A advertência é para que não nos esqueçamos desse nosso
compromisso com o Mestre, que no seu Evangelho deixou o código de conduta
seguro para seguirmos adiante com firmeza e confiança: “faça ao outro aquilo
que deseja seja feito a você”; “ame ao próximo como a si mesmo”; “não julgueis
para não serdes julgados”.
Em síntese, o Espiritismo
é a mais esplendorosa proposta do livre
pensamento e o mais possante apelo para
o pleno exercício da religiosidade intrínseca.
Referência:
1 - Kardec Allan, O
Evangelho segundo Espiritismo, Capítulo X, item 13