Jorge Hessen
Brasília-DF
O Espiritismo, sendo uma ciência de observação e uma doutrina filosófica, não poderia marchar sem considerar o progresso das ferramentas humanas. Se, nos primórdios do Espiritismo, o falso médium se valia de truques físicos e prestidigitação para simular a presença dos desencarnados, assistimos atualmente a surgir uma forma mais perspicaz de embuste: o uso das redes de informação digital para forjar a identidade dos parentes mortos.
Em face disso, é dever de qualquer espírita ajuizado separar o grão do joio. A identidade do desencarnado é um dos maiores desafios da prática mediúnica. Durante alguns anos, o médium Chico Xavier psicografou autenticamente cartas consoladoras em que revelava nomes ou datas íntimas e oferecia provas robustas de veracidade das informações do além.
Hoje, porém, a vida privada tornou-se um livro aberto nas "praças públicas virtuais". É exatamente isso: na internet, os supostos “médiuns” de hoje colhem inúmeros subsídios de dados pessoais, consultando Facebook, WhatsApp, YouTube, Instagram, Twitter, LinkedIn, Pinterest, Google+ (do falecido e de familiares) que servirão de roteiro para a construção da falsa carta do “além”.
Se um Espírito, por intermédio de um suposto “médium”, limita-se a dizer o que já está registrado em obituários, perfis sociais ou notícias digitais, a prova de identidade é completamente nula. A astúcia do espírita cauteloso deve ser proporcional ao atilamento do falso médium. Até porque o autêntico desencarnado demonstra sua presença pela sutileza do pensamento, pelo estilo que lhe era próprio e por detalhes que a memória digital não foi capaz de divulgar.
É cruel observar que a dor sagrada daqueles que choram seus entes queridos sirva de pasto à vaidade ou à cupidez desses supostos “médiuns” transmissores de mensagens do mundo cibernético.
Rigorosamente, aqueles que colhem dados nas "grandes redes sociais" para construir mensagens “mediúnicas” fictícias e sempre flagrantemente genéricas não cometem apenas uma claudicação de fato, mas um crime moral que precisaria constar no Código Penal.
A legítima mediunidade é uma faculdade concedida por Deus para o bem, e não para espetacularização teatral visando ao endeusamento e à exaltação de falsos “intermediários” do além.
Tais supostos “médiuns” perseguem o abominável desejo de “aparecer”, de serem idolatrados pelos seguidores fanatizados como "grandes reveladores" ou, considerando a projeção nas redes sociais (muitos seguidores), obter vantagens pessoais diretas e indiretas.
Os Espíritos sérios não se prestam a essas encenações; eles vêm para nos consolar e instruir, e não para satisfazer a curiosidade ou alimentar o charlatanismo mediúnico.
Entendo que as lideranças espíritas do Brasil (palestrantes e alguns presidentes de federações) não ignoram tais fraudes mediúnicas; portanto, devem solidarizarem-se com as vítimas das fraudes, denunciando tais práticas sempre que puderem.
Nesta condição, sugerimos para o Movimento Espírita Brasileiro alguns critérios de controle para que toda mensagem que chegue com "provas" fáceis de serem encontradas por uma pesquisa virtual comum seja rejeitada ou, no mínimo, seja tratada com extrema reserva. A mediunidade séria é discreta. Ela não precisa de artifícios tecnológicos para se impor; ela brilha pela luz própria do consolo que oferece.
O progresso das comunicações humanas não deve assustar o espírita, mas torná-lo mais vigilante. Se a fraude se moderniza, a razão deve se aperfeiçoar. Como sempre recomendou o Espírito de Verdade, é preferível rejeitar dez verdades a admitir uma única mentira como princípio. A fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da humanidade.
Sugerimos a quem já possui sua carta “consoladora” que confira ou providencie o confronto dos dados nas redes sociais de familiares; seguramente poderão ter alguma surpresa, talvez sintam um vazio de um segundo luto, infelizmente! Isso é cruel, mas… segurem na “Mão de Deus” porque nosso Criador não abdicou do comando da vida.
